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RESUMO: A associação entre os sintomas de refluxo gastro-esofágico (RGE) e as queixas respiratórias é já conhecida em doentes com asma. Na população adulta americana estimase que os sintomas de RGE ocorrem em frequências de 7% diariamente, 14 a 19% semanalmente e 40% mensalmente. A prevalência dos sintomas de RGE em doentes com asma é muito mais elevada, de 39 a 70%. Os mecanismos apontados para esta associação são a microaspiração do conteúdo gástrico induzido pelo refluxo, com irritação das vias aéreas e o desencadeamento do reflexo vagal pela presença de conteúdo ácido na porção distal do esófago, com indução da broncoconstrição.Com base em anteriores estudos que sugeriam um aumento do risco de doenças pulmonares, incluindo a DPOC, em doentes com esofagite de refluxo, os autores deste trabalho estudaram a relação entre os sintomas de RGE e a DPOC em 100 doentes e 52 controles. Foi aplicado um questionário com o objectivo de pesquisar a presença de sintomas de RGE: pirose, regurgitação ácida, disfagia e tosse crónica, frequência e gravidade dos sintomas no último ano, bem como o efeito da pirose e da regurgitação ácida sobre a dispneia, a tosse, a pieira e o aumento do uso de inaladores; os dados demográficos; os hábitos alcoólicos e tabágicos e o uso de fármacos anti-refluxo e anti-ácidos.Uma grande proporção de doentes com DPOC apresentava sintomas de RGE significativos (pirose e/ou azia pelo menos uma vez por semana, tosse crónica e disfagia) quando comparados com o grupo controle (p50% (p:0.08). No entanto, o estudo funcional respiratório era semelhante entre doentes com DPOC, com e sem sintomas de RGE, o que sugere que o refluxo gastro-esofágico não parece agravar a função respiratória no doente com DPOC, mas por sua vez a obstrução mais acentuada das vias aéreas pode agravar os sintomas de RGE nestes doentes.A maioria dos doentes que referiram sintomas respiratórios associados ao refluxo notaram um aumento do uso de inaladores à agonistas coincidindo com os sintomas de refluxo.Os autores sugerem a existência de vários mecanismos responsáveis pela associação entre o refluxo gastro-esofágico e a obstrução brônquica na asma e na DPOC: a microaspiração brônquica induzida pelo refluxo; a broncoconstrição reflexa induzida pelo refluxo ácido; o aumento da pressão intra-abdominal e a alteração da relação entre o diafragma e o esfÃncter esofágico inferior consequentes à hiperinsuflação grave, à tosse vigorosa e ao broncospasmo, com redução do contributo diafragmático para o tónus do esfÃncter e promoção do refluxo do conteúdo gástrico; e o efeito de fármacos como os Ã2 agonistas, os anticolinérgicos e a teofilina na redução do tónus do esfÃncter esofágico inferior.Tem sido difÃcil demonstrar que o refluxo gastro-esofágico provoca de forma directa a broncoconstrição, pois num estudo recente1 não foram observadas alterações da função respiratória em adultos asmáticos após a indução de refluxo gastro-esofágico real ou simulado. à possÃvel que ocorram sintomas de dispneia sem um agravamento simultâneo significativo da avaliação funcional respiratória. Os autores sugerem que a dispneia associada ao refluxo possa aumentar o volume-minuto e promover o mecanismo valvular expiratório e a hiperinsuflação em doentes com doença obstrutiva das vias aéreas com limitação expiratória do débito aéreo. Contudo, está ainda por estabelecer qual o mecanismo exacto pelo qual o refluxo gastro-esofágico provoca a dispneia. COMENTÃRIO: Os autores deste trabalho demonstram uma associação clara entre a prevalência dos sintomas de refluxo gastro-esofágico e a DPOC e apontam a obstrução grave como factor desencadeante do refluxo, mas não o refluxo como factor desencadeante dos sintomas respiratórios. São vários os autores que sugerem uma relação causal entre o refluxo gastro-esofágico e as queixas respiratórias nos doentes asmáticos. Entre as razões apontadas para o agravamento mútuo da asma e do refluxo gastroesofágico estão a origem embrionária comum do esófago e da árvore brônquica; a enervação vagal ser muito similar e próxima, levando a reacção 'por simpatia'; a insuflação pulmonar com distensão diafragmática, o aumento da pressão intra-gástrica e o aumento da diferença de pressão toraco-abdominal, consequentes à obstrução brônquica, facilitando o refluxo gastro-esofágico2. Este conjunto de razões são comuns à asma e à DPOC. Por que não admitir que o refluxo gastro-esofágico possa também ser um factor desencadeante das queixas respiratórias ou mesmo de exacerbações na DPOC?O tratamento farmacológico 'agressivo' do refluxo gastro-esofágico com inibidores da bomba de protões (elevadas doses durante três meses) melhora os sintomas respiratórios e a função respiratória em cerca de 70% de doentes com asma, de forma semelhante ao resultado da terapêutica cirúrgica anti-refluxo3. A presença de regurgitação e/ou de refluxo esofágico proximal excessivo são factores predictivos positivos de uma resposta positiva da asma ao tratamento4.O tratamento agressivo do refluxo gastro-esofágico poderá, tal como na asma, contribuir para o controle sintomático da DPOC? ou para a prevenção de exacerbações? A resposta a estas questões só poderá ser obtida quando forem realizados estudos especÃficos nesta área.A asma e a DPOC não são as únicas afecções respiratórias que se associam à doença de refluxo gastro-esofágico. Esta pode ocorrer igualmente em associação com o sÃndrome de apneia obstrutiva do sono. Na apneia obstrutiva do sono, verifica-se uma predisposição para o refluxo gastro-esofágico através do aumento do gradiente de pressão entre o estômago e o esófago resultante da pressão intra-torácica excessivamente negativa que é desenvolvida durante os esforços inspiratórios contra a via aérea obstruÃda5. Palavras-chave: Refluxo gastro-esofágico, DPOC, Asma, Key-words: Gastroesophageal reflux, COPD, Asthma |