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Introdução: A leucemia mieloide crônica (LMC) é caracterizada pela presença da translocação 9;22 (t(9;22)) e seu produto, o gene BCR-ABL, no cromossomo 22. Em sua fase avançada, surge a crise blástica, decorrente da proliferação do clone leucêmico pela atividade contínua do BCR-ABL. Em um paciente com LMC que evolui com leucemia aguda, a crise blástica é a principal hipótese. Em raros casos, há o desenvolvimento de leucemia sem o cromossomo Filadélfia (Ph-), tornando-se um desafio diagnóstico. Objetivo: Descrever o caso de uma paciente com LMC em resposta molecular maior (RMM) e passado de crise blástica linfoide que evoluiu com leucemia linfoblástica aguda (LLA) Ph-. Relato de caso: Paciente de 54 anos com diagnóstico de LMC em fase acelerada em maio de 2021, evoluindo em poucas semanas para crise blástica linfoide B (Ph+, isoforma b3a2). Iniciada citorredução com hidroxiureia, seguida de indução com HyperCVAD e inibidor de tirosina quinase (ITQ). Realizou 4 blocos do HyperCVAD, interrompido por toxicidade infecciosa. Não realizou transplante de medula óssea pela ausência de doador. Iniciada manutenção com vincristina e prednisona e mantido o imatinibe na dose de 800 mg/dia. Em junho de 2022, apresentava RMM (relação de transcritos 0,089%) e iniciou quadro de cefaleia, vômitos e hipertensão arterial. Tomografia computadorizada de crânio com sinais de hipertensão intracraniana e líquor com células imaturas linfoides. Mielograma com 30% de blastos e imunofenotipagem com 14,5% de células imaturas de linhagem B. Não foi realizado novo cariótipo por material insuficiente (aspirado “seco”). Diante da suspeita de crise blástica, houve troca do ITQ para dasatinibe enquanto se aguardava o resultado do BCR-ABL qualitativo coletado antes da troca. PCR Multiplex e Nested eram negativos (isoformas p210, p190 e p230). Feito o diagnóstico de LLA-B Ph- e iniciado FLAG-Dauno e QT intratecal, apresentando toxicidade hematológica. Evolui a óbito em dezembro de 2022. Discussão: A crise blástica é a forma avançada da LMC, decorrente da perda da resposta ao ITQ, podendo também ser a apresentação inicial da doença. No caso em questão, a primeira hipótese foi de crise blástica linfoide devido à história prévia. Porém, ao analisar o BCR-ABL, foi observada resposta molecular maior, favorecendo o diagnóstico de LLA-B Ph-. Na literatura existem poucos relatos semelhantes em que os autores questionam a fisiopatologia. Uma das teorias é a indução de alterações cromossômicas pelos ITQ ao suprimir a atividade do gene ABL em células normais, impedindo sua ação nas vias de reparo ao DNA e gerando instabilidade citogenética. Outra hipótese sugere que o desenvolvimento da LMC envolve múltiplas etapas e que a t(9;22) não seria o primeiro evento. Haveria um clone inicial com anomalias citogenéticas que não apenas induzem a t(9;22) como também outras alterações. Quando surge a t(9;22) este clone ganha vantagem proliferativa e “mascara”as células com outras alterações. Durante a terapia alvo, a supressão seletiva do clone Ph+ pode induzir um ambiente que permita a expansão de um clone leucêmico novo ou previamente existente. Conclusão: O surgimento de leucemia aguda Ph- em pacientes com LMC é um diagnóstico raro e desafiador, devendo ser diferenciado da crise blástica. |