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Embora o trabalho e as contribuições de Alcida Rita Ramos ao quadro da etnologia indígena produzida no Brasil dispensem maiores apresentações, pensamos ser interessante levantar alguns pontos sobre sua trajetória que motivaram as questões que compõem esta entrevista. Na observação de sua carreira, fica claro que Alcida Ramos sempre buscou avidamente a atualização de suas preocupações e temáticas de pesquisa, grande parte das quais surgiram em estreita consonância com seu envolvimento pessoal nas causas indígenas e indigenistas no país. No que concerne à atualização da análise, é exemplo o fato de que, não satisfeita com a sua primeira interpretação dos dados levantados em seu campo junto aos Yanomami entre 1968 e 1970, ela promoveria uma releitura profunda de seu material ao longo dos anos, em diversos artigos e com o livro Memórias Sanumá (1990). Já na década de 1980, mergulhou não só como antropóloga, mas como participante política na crescente mobilização dos povos indígenas brasileiros, que culminaria com as manifestações e reivindicações da Constituinte de 1988. A reflexão de Alcida Ramos sobre seu envolvimento com este contexto viria à tona na minuciosa discussão contida em Indigenism (1998), além de outros artigos importantes publicados ao longo da década de 1990 alguns dos quais inclusive se inserindo no extenso e controverso debate sobre o ethos antropológico brasileiro (e aqui talvez o melhor exemplo seja Ethnology Brazilian Style, de 1995). Personagem engajada na causa política indígena, e ainda assim não conformada à tão versada cisão entre clássicos e contatualistas na etnologia brasileira, Alcida Ramos vem refletindo não só sobre sua experiência política no campo em vários artigos, como Anthropologist as a political actor (1999) , mas também sobre relações intertribais Hierarquia e simbiose (1980) e interétnicas no já citado Indigenism ou na co-organização, com Bruce Albert, de Pacificando o branco (2002), por exemplo. Por entre estas temáticas, revela um desejo de superar dicotomias, mostrando que a abordagem de situações que retratam a espoliação das condições sociais dos povos indígenas não impede que se evidenciem e não que se subestimem as possibilidades e potencialidades da agência dos nativos. As quatro questões que compõem esta entrevista são inspiradas não só por esta trajetória, mas também pelos contatos e discussões que nós travamos com a professora Alcida Ramos enquanto alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília. O contexto em que a entrevista foi realizada é algo inusitado: devido a alguns desencontros e problemas de agenda, as perguntas foram enviadas por e-ENTRREVISTA mail à entrevistada, que se encontra nos Estados Unidos ministrando um curso como professora visitante do Departamento de História da Universidade de Wisconsin a mesma instituição onde desenvolveu seu PhD em Antropologia, com pesquisa sobre os Yanomami, na década de 1970. Esta metodologia de entrevista, se por um lado dificultou a colocação de indagações mais pontuais, por outro deu ampla liberdade e tempo à entrevistada para um enriquecedor detalhamento de suas reflexões, cujo resultado são as linhas que seguem. As perguntas foram encaminhadas à entrevistada em 28/02/ 2005 e as respostas recebidas em 03/04/2005. |