Forma����o em Psicologia e popula����o em situa����o de rua: saberes e fazeres em Salvador e S��o Paulo

Autor: ROCHA, Renan Vieira de Santana
Jazyk: portugalština
Rok vydání: 2022
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DOI: 10.5281/zenodo.5716533
Popis: A forma����o em Psicologia, hoje, �� amplamente atravessada pelas quest��es que envolvem a luta por Direitos Humanos (DH) e Pol��ticas P��blicas (PP) que efetivamente atendam ��s necessidades da popula����o brasileira. Contudo, isto se d�� pelo reconhecimento de que partimos, historicamente, de uma Psicologia endurecida, forjada na Ditadura Civil-Militar Brasileira, pouco afeita ��s quest��es mais progressistas. �� do lugar de uma repara����o hist��rica ante os eventos de nosso passado que, portanto, estamos a falar. Paralelamente, os estudos sobre a quest��o da ra��a e da sa��de no Brasil tamb��m fazem provoca����es �� Psicologia, quando compreendem o lugar da antropometria e da frenologia no Brasil e no pensamento psicol��gico primordial sobre tais quest��es, em que o negro fora constitu��do como sujeito ���naturalmente degenerescente���, ���tendente �� criminalidade e �� loucura���, sendo necess��rio ���limpar o gene nacional��� ��� todas express��es dos ditos estudos do racismo cient��fico dos s��culos XIX e XX em nosso pa��s. Estes pensamentos criaram a base de projetos jur��dico-institucionais nacionais, por exemplo, voltados ao encarceramento, �� exclus��o e �� marginaliza����o da popula����o negra: criminalizou-se a capoeira, o samba, as ���feiti��arias��� (nome pejorativo dado ��s religi��es de matriz africana), a ���vadiagem���, etc. Isto resultou em processos como o encarceramento em massa da popula����o negra ��� nas pris��es, mas tamb��m nos manic��mios ��� e ao seu deslocamento compuls��rio para o espa��o das ruas, seja na express��o de ocupa����es, seja na express��o do ���viver na rua��� propriamente dito. Logo, com tais afirma����es, queremos postular duas coisas que s��o pilares para o que se ver�� nesta obra: (1��) a base de forma����o da popula����o em situa����o de rua brasileira �� total e absolutamente racializada; (2��) o pensamento psicol��gico nacional produzido no s��culo XX produziu e/ou colaborou com tal forma����o, o que nos coloca o compromisso irrevog��vel de, desta forma, debru��armo-nos na produ����o de saberes e fazeres psicol��gicos cr��ticos, contempor��neos e contextualizados com as necessidades hist��ricas e atuais de nosso povo. Pensar a Psicologia atenta e preparada para a atua����o com a popula����o em situa����o de rua, ent��o, configurar-se-�� como um dever ��tico-pol��tico em nossa profiss��o. Com a pandemia do novo coronav��rus, isto se destaca ainda mais. Se tomarmos a cidade de S��o Paulo como exemplo anal��tico, veremos que, em pesquisa produzida pela Prefeitura, em 2020, constatou-se que os homens constituem 85% das pessoas em situa����o de rua na capital paulista; e, deste total, 70% s��o pessoas negras. Desta forma, o homem negro, com m��dia de 31 a 49 anos, �� o perfil principal da pessoa em situa����o de rua neste cen��rio, que �� constitu��do por um total de 24.344 pessoas nestas condi����es, 60% superior ao identificado em 2015, contingente que �� 32% superior ao previsto pela Prefeitura para o per��odo. J�� no Rio de Janeiro, que tamb��m tomaremos como exemplo, por ter sido a ��nica capital a produzir dados sobre esta quest��o durante a pandemia, em 2021, veremos que 31% das pessoas identificadas est��o em situa����o de rua h�� menos de um ano, sendo 64% destes por perda de trabalho, moradia ou renda; portanto, durante a pandemia do novo coronav��rus. Isso representa um aumento de 20% do contingente, em um intervalo de 1 ano e 3 meses, e deve servir como um alerta de que esta quest��o, inequivocamente, se tornar�� mais agravada ao longo dos pr��ximos anos, e demandar�� da sociedade, e das diferentes profiss��es da sa��de, a capacidade de lidar com a problem��tica em tela de maneira eficaz, eficiente, efetiva e contextualizada hist��rica e contemporaneamente com a sociedade brasileira. E o que tudo isso provoca �� Psicologia? A necessidade de pensar, profissional e academicamente sobre o tema; a capacidade de atuar na ��rea, de forma cr��tica e atenta a estas vari��veis; a observa����o de que o cuidado �� popula����o em situa����o de rua, quando pensamos estas quest��es no bojo dos DH e das PP, tem algo de sui generis, pelo (des)lugar da popula����o em situa����o de rua; e a urgente compreens��o/constata����o de que �� imposs��vel cuidar clinicamente de pessoas em situa����o de rua sem essa perspectiva cr��tica; l��cus em que esta obra, simultaneamente, se justifica e se localiza. No primeiro cap��tulo da obra, de autoria de Souza Alves, Rocha e Rodrigues, vemos uma agu��ada discuss��o sobre a forma����o da cidade de Salvador e sobre como esta forma����o produziu a popula����o em situa����o de rua a partir das contradi����es inerentes ao processo de urbaniza����o dos grandes centros urbanos, evidenciando, inclusive, os atuais processos de ���revitaliza����o��� dos centros como justificativas para a continuada exclus��o e marginaliza����o das pessoas em situa����o de rua, expulsas dos centros para a dire����o das margens das cidades. Encontra coro na discuss��o presente no segundo cap��tulo da obra, de autoria de Paix��o, Rocha e Rodrigues, em que se articula a discuss��o sobre o racismo estrutural como constituinte hist��rico da forma����o da popula����o em situa����o de rua salvadorense e brasileira, e em que somos provocados, a partir dos estudos de Ign��cio Mart��n-Bar��, sobre como a conscientiza����o e o aquilombamento desta popula����o s��o importantes processos no sentido de sua liberta����o e da qualifica����o dos cuidados em Psicologia. Nos terceiro e quatro cap��tulos da obra, vemos essa discuss��o transpor-se, com maior intensidade, para as vari��veis que a pandemia do novo coronav��rus impuseram diante dos modos de cuidado, em Psicologia, �� popula����o em situa����o de rua e seus familiares. O texto de Carvalho, Santiago, Rocha e Rodrigues debru��a-se sobre uma interessante experi��ncia de uso dos recursos de comunica����o, na pandemia, para o desenvolvimento de a����es de redu����o de danos em Salvador, pensando poss��veis reinven����es do saber-fazer psicol��gico. Iguais reinven����es, desta feita, veremos no texto de Lima, Rocha e Rodrigues, em que abordar-se-�� sobre novos modos de cuidar de familiares de pessoas em situa����o de rua por meios remotos, postas limita����es de circula����o e aglomera����o impostas pela pandemia ora vivenciada, destacando um caso acompanhado tamb��m na capital baiana. Fechando a obra, transitamos das experi��ncias desenvolvidas em Salvador para experi��ncias desenvolvidas em S��o Paulo, destacadamente a partir de um Servi��o Especializado de Abordagem Social (SEAS) e de um Centro de Acolhida (CA). No texto de Bernardo, Nascimento, Mendes e Rocha teremos um vislumbre de poss��veis modos de cuidado n��o direcionados diretamente a usu��rios e/ou familiares dos servi��os, mas aos seus pr��prios t��cnicos, no tocante a como estes vivenciam o cuidado a pessoas em situa����o de rua e a como estes podem, tamb��m, se (auto)cuidarem. J�� no texto de Figueiredo, Cabral, Febraio e Rocha, que fecha a presente obra, veremos importantes contribui����es sobre como os estere��tipos constru��dos sobre a popula����o em situa����o de rua podem figurar como impeditivos �� oferta de um cuidado efetivamente comprometido com uma perspectiva cr��tica e emancipat��ria em Psicologia ��� erigindo desafios que, cremos, cabem a toda Psicologia se questionar. Ao cabo e em s��ntese, cumpre-nos dizer que a presente obra ��, portanto, fruto de seis experi��ncias desenvolvidas em est��gios na ��rea de Psicologia, o que aponta a presente colet��nea como um esfor��o de (re)afirmar a relev��ncia desta discuss��o em um lugar que tomamos por essencial: a forma����o acad��mica e profissional de psic��logas e psic��logos. Se entendermos este lugar como espa��o privilegiado de produ����o de boas pr��ticas, poderemos construir profissionais que, em sua pr��tica, produzam muito mais sa��de e bem-estar do que revitimiza����o e estigma ��� fen��menos estes ��ltimos com os quais a popula����o em situa����o de rua j�� lida cotidianamente. Assumindo, assim, o relato de experi��ncia como m��todo basilar, apostamos no compartilhamento de boas pr��ticas como horizonte formativo emancipat��rio, e esperamos, verdadeiramente, que este seja um manifesto pelo bom cuidado em Psicologia junto �� popula����o em situa����o de rua no Brasil.
Databáze: OpenAIRE