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Introdução: A COVID-19 requereu a implementação de medidas efetivas para conter os efeitos diretos da pandemia. À medida em que a efetividade das iniciativas de controle se torna evidente, o interesse tem se deslocado em busca também de melhor entendimento das consequências indiretas da pandemia em diferentes aspectos da vida das pessoas. Considerando-se que uma das medidas mais impactantes foi o fechamento das escolas, o estudo teve enfoque na gestação precoce, com desfecho de aborto atendido em regime hospitalar, na população de meninas de dez a 14 anos, estratificada por cor da pele. Objetivo: Avaliar as tendências das taxas mensais de hospitalização por aborto em meninas de dez a 14 anos, em 2019 e 2020, segundo cor da pele, no Brasil. Materiais e métodos: Trata-se de estudo quase-experimental de séries temporais interrompidas (ITS). O número mensal de hospitalizações por aborto foi obtido por consulta ao Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde. A população de meninas de dez a 14 anos foi calculada com base em projeções publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As taxas foram estimadas para o período “antes” (janeiro de 2019 a fevereiro de 2020) e para o período “depois” (março a dezembro de 2020) do fechamento das escolas (intervenção) iniciado em março de 2020. Coeficientes e intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados usando modelos de regressão linear segmentada. Resultados: De janeiro de 2019 a dezembro de 2020, houve 3.328 hospitalizações por aborto em meninas de dez a 14 anos no Brasil. As taxas mais altas foram observadas nas meninas negras, com valores superiores a duas internações mensais por 100 mil. As adolescentes negras experimentaram taxas tão altas quanto 3,29 e 3,22 por 100 mil em outubro e novembro de 2020. Pareando as internações mensais, as menores e as maiores diferenças entre meninas negras e meninas brancas foram encontradas em setembro de 2019 (2,14 vezes) e em outubro de 2020 (6,79 vezes). Nossos achados são indicativos de mudança para aumento de tendência das taxas após o fechamento das escolas, na população como um todo (coeficiente: 0,07; IC95% 0,02–0,11) e na população negra (coeficiente: 0,07; IC95% 0,03–0,11), determinando um aumento médio nas taxas de internação hospitalar mensais durante o período pós-intervenção em comparação com as estimativas pré-intervenção de linha de base. Esta ITS não detectou mudança de tendência estatisticamente significativa (coeficiente: 0,02; IC95% -0,01–0,05) nas taxas de admissão por aborto na população de meninas brancas. Conclusão: As hospitalizações por aborto em meninas de dez a 14 anos aumentaram durante a pandemia de COVID-19, em 2020, no Brasil. Esse resultado foi pior em meninas negras do que em meninas brancas, sugerindo que as medidas que envolvem crianças e adolescentes para prevenir a disseminação do coronavírus podem ter provocado efeitos inesperados e afetado minorias de forma diferenciada no Brasil. |